João Pedro Vale, Lisboa / Portugal
- arte contemporânea, neo-conceptualismo -
João Pedro Vale nasceu no ano de 1976 em Lisboa, e é um dos artistas plásticos mais conceituados, no âmbito das novas tendências artísticas da arte contemporânea portuguesa. É licenciado em escultura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Tem apresentado diversas exposições individuais e participado em exposições colectivas, tanto em Portugal como no estrangeiro. As suas peças fazem parte do espólio das mais prestigiadas colecções nacionais de arte contemporânea.
A obra de João Pedro Vale é um constante “questionar da forma, do significado e das referências de um universo conhecido historicamente, mas subvertido pelo hábil e transgressivo uso da imaginação e dos materiais aplicados.” Insere-se igualmente no movimento artístico designado de «neo-barroco» que vai buscar as suas raízes ao movimento barroco iniciado em Roma durante o século 17, expondo o contraste social através da unificação de corpo e alma, como o erudito e o popular.
Numa das suas últimas exposições, em S.Paulo no Brasil, João Pedro Vale apresentou uma instalação intitulada “Foi bonita a festa, pá”, expressão retirada da primeira estrofe da letra da canção de Chico Buarque, “Tanto Mar”. Esta canção exprime os sentimentos gerados pela “Revolução dos Cravos” em Portugal, que deu lugar à transição pacífica do regime ditatorial para a democracia. Esta obra de João Pedro Vale mostra uma jangada (um barco usado pelos pescadores do nordeste brasileiro) construída naquela região expressamente para a exposição, coberta de tampas e de garrafas de cerveja da marca “Sagres”, nome associado à ideia da existência de um centro de arte náutica em Sagres, a Escola de Sagres, pressupostamente fundada pelo infante D. Henrique, que teria formado os grandes descobridores portugueses. “É como se o barco e as suas memórias tivessem sido esquecidas no fundo do oceano, cobertos das tampas das garrafas”, explica o artista.
Crítica:
No percurso de João Pedro Vale, algumas obras são exemplares da sua capacidade de articular e conjugar referências a práticas humanas e iconográficas, dispondo com inventiva de materiais e problemáticas de aparência diversa. I Have a Dream é uma obra composta, numa das apresentações, em duas partes . O balão (com o cesto, as cordas, os apetrechos) e um mapa. Esta obra com uma proposta política determinada e objectiva, apresenta simultaneamente algumas questões relacionadas com a escultura. A escala da obra é aparentemente monumental, o volume é imenso mas a aproximação é reveladora de uma proporção à escala humana. De certa forma o balão imenso (ideal, real ou sonhado) que agregámos à nossa memória histórica e livresca transportava-nos para um sonho, imediatamente decapitado ante a visão tridimensional deste artefacto aeronáutico mutilado, caído pelo chão. Caído do céu? Caído à nossa frente no espaço em que nos encontramos. Como se fosse possível demonstrar que os sonhos perdidos (ou traídos) podem ter uma forma terrena e que inesperadamente não é apenas um sonho perdido que lamentamos mas que essa possibilidade se encontra frustrada perante nós. Na metáfora desta obra o desencanto não se restringe somente à falácia do sonho e da liberdade, existe uma outra alteração visível na forma como a obra é construída e fabricada pelo artista. É um teste à capacidade de entendimento do espectador. É um pouco mais do que um jogo. É uma proposta dissimulada que só a aproximação à obra pode desvelar a diferença entre as proporções da escala monumental e da escala quase doméstica e dominável. A forma está lá, mas a proximidade que permite descobrir o detalhe revela opções que enunciam a diferença na sua manufactura. Parece apenas uma brincadeira. Mas muito séria. Por outro lado a obra está ancorada pelo mapa que nos dirige para um percurso, em que somos expostos a um confronto com a nossa posição ética frente a uma declaração de violência contra a homossexualidade, colorido na mesma cor do balão. Cor de rosa. O balão embora aparentemente inerte e quase vazio, repousa como um ser enorme passível de desejo em estertor de morte, e traz consigo toda a inércia ficcional que o precipita no nosso lago íntimo da fantasia e do mistério. Detêm-nos referências ao mundo mágico e fantasioso de Walt Disney e do castelo da bela adormecida mas em morte latente. Ou a tentativa de ser puxado pelos ares por um balão de ar quente que Reinaldo Arenas perseguiu na sua rota imaginária que o levaria de Cuba para a liberdade. Em diversas situações João Pedro Vale tem vindo a construir obras que nos permitem colher, como folhas de um feijoeiro, diversas chaves de um universo fantástico e profundamente humano. Tal como o balão, na obra Bonfim, a nave (não me atrevo a chamar-lhe barco ou navio) flutua na suspensão da esperança dual de um caminho de infinita liberdade que não traz consigo o porto de chegada, o fim que é atirado para o infinito quando se lê nas fitas Não há fim para o caminho . Há uma oposição aparente e por vezes equívoca no tratamento e apropriação dos materiais, mas consciente e manipuladora das suas significações que se abre como o delta de um rio onde não se vislumbra a saída, mas onde dificilmente reconhecemos margens seguras.
João Silvério,
Galeria Leme, S. Paulo, Brasil